quarta-feira, 30 de outubro de 2013

As polainas do Senhor Pierre

Quando desci para comprar o jornal, o Quartier Latin estava ainda embaciado, com aquele jeito outonal que nos faz desejar mais algumas horas de bom sono.
 
Minutos depois, ao estender a mão para pagar o exemplar do Le Figaro, dei por mim a admirar as polainas do Senhor Pierre. De imediato, fiquei na dúvida se o que ficara perdido pelos séculos XVIII e XIX seria o bom gosto do meu vizinho ou o meu olhar.
 
Ali estavam elas, de couro, com o objetivo de proteger os sapatos do cavalheiro, belas, remetendo a imaginação para os romances e os poemas que brotaram na Belle Èpoque, um período delimitado por intensas evoluções culturais que se expressaram em modernos processos de refletir e nutrir o dia-a-dia, tanto em França quanto no Brasil. Uma época áurea, constelada, em estética, em inovação, em talento literário. Um período em que a mente pervagava pelas páginas de Henri Murger, Baudelaire, Balzac, Anatole France, Émile Zola, Verlaine, Mallarmé, Oscar Wilde, Rimbaud, Olavo Bilac, Machado de Assis, Martins Fontes, Coelho Netto, e pelas telas de Alfons Mucha, Toulouse-Lautrec, Edvard Munch, James Whistler, Georges-Pierre Seurat, Paul Sérusier, Paul Gauguim, Pierre Bonnard, Edouard Vuillard, Paul Ranson, Maurice Denis. Todos, artistas que uniram com a sua vocação: Paris ao Rio de Janeiro. Imensos, em sua infinita qualidade.
 
A Belle Èpoque parisiense teve o começo do seu fim aquando do naufrágio do Titanic, a 14 de abril de 1912, já a brasileira foi um pouco mais tarde, no começo dos anos 30, no século XX. E, agora, em pleno século XXI, no Bairro Latino, em Paris, tenho uma reminiscência daquele ciclo áureo.
 
Volto a cabeça para todos os lados, procuro vestígios, outros, da intensidade, da cor e da luz derramadas na pintura dos mestres citados, tento perceber nos escaparates algum indício das páginas douradas, tento divisar novos resplendores naquele bairro e naquela cidade que enamoro todos os dias, porém, encontro apenas, centenas de pessoas, das mais diversas nacionalidades, ávidas por um registo fotográfico, a namorar as realidades antigas e distintas, porém, todas, a trajar a moda confusa da atualidade, as cores banais, as formas esdrúxulas, de mau corte, péssimo gosto e pior acabamento.
 
Quando dou por mim, estou novamente a admirar as polainas do Senhor Pierre e, ele, a meu lado, a ajeitar dois volumes de Hugo, de recente edição, e a soltar dois dedos de prosa com a Senhora da mercearia, simpática mulher, roliça, de alvos dentes e de olhar penetrante. Ali há caso. Faz ela bem, o Senhor Pierre é um homem de bom gosto e eu de olhar atento e saudosista. Faço um gesto de despedida e ele, em tom sarcástico lembra-me Baudelaire:
 
"É preciso estar sempre embriagado. Eis aí tudo: é a única questão. Para não sentirdes o horrível fardo do Tempo que rompe os vossos ombros e vos inclina para o chão, é preciso embriagar-vos sem trégua.
 
Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira. Mas embriagai-vos.
 
E se, alguma vez, nos degraus de um palácio, sobre a grama verde de um precipício, na solidão morna do vosso quarto, vós acordardes, a embriaguez já diminuída ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo que foge, a tudo que geme, a tudo que anda, a tudo que canta, a tudo que fala, perguntai que horas são; e o vento, a onda, a estrela, o pássaro, o relógio, responder-vos-ão: 'É hora de embriagar-vos! Para não serdes os escravos martirizados do Tempo, embriagai-vos: embriagai-vos sem cessar! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa maneira'."
 
A minha resposta não tardou, embriagada e poética, em versos de Bilac:

“"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda noite, enquanto
A Via Láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir o sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizes, quando não estão contigo?"

E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas".”
 
 
Rui Calisto

terça-feira, 10 de setembro de 2013

O cachimbo




A manhã começa serena neste meu tugúrio secreto do Quartier Latin. A sensação de imortalidade da alma surge a par do desejo de perceber um pouco mais da razão de existir. Por isso o anseio de paz e silêncio. Por isso a necessidade de pensar e refletir. Por isso o querer compreender o Ser, enquanto se desenvolve o Estar.

Sento-me diante do vidro baço da janela, escutando Deus, encarnado em homem, através da ária So oft ich meine Tobackspfeife, o que me desperta a vontade de reencontrar-me com o meu velho Calabash. Encontro-o em repouso de semanas e, após alguns minutos deixo-o pronto para o deleite.

O tabaco a ser utilizado deve ser sempre aquele cuja composição inclua uma mistura proveniente de quatro continentes, a sua textura, coloração e contraste, devem ser únicos e, para sabermos se o que possuímos está nesse patamar, usamos o olfato, aprimorado depois de anos de habituação, para concluirmos e decidirmos sobre qual saborear. Convém termos em casa três tipos de tabaco, o Aromático, o Virgínia e o Inglês, fazendo assim uma variação diária, para que o nosso paladar absorva e compreenda o que tange a lira da excelência.

A melodia espalha-se no ar. A sensação de bem-estar que sinto é incomparável. Experimento, entre os dedos a textura e nas narinas o aroma, percebo o tabaco, compreendo-o, sei o modo de o compactar, de obter o espaço perfeito no fornilho para que a baforada seja prazerosa. Com haste apropriada acendo o Calabash, para não queimar demasiadamente o tabaco. Jamais o deixo apagar, pois ao reacendê-lo posso sentir um sabor ocre e desagradável. Tem que arder lenta e saborosamente, sem ameaça de morte súbita. O ritmo deve ser marcado, compasso a compasso, nota a nota, sem inalar, enviando lentamente subtis anélitos de ar, da boquilha para o fornilho, assegurando assim o fulgor da ardência.

A melopeia entorpece os sentidos, a atenção volta-se para alguém que passa, longe e leve, junto ao Sena. Enquanto sinto veementes ensejos de volúpia provocados pelo ritual, inebrio-me com a visão da quantidade de trigo conduzido por estas águas, transportadoras também de outros produtos, dos mais variados, uma hidrovia como poucas no mundo. Mais abaixo surge um barco mosca, o famoso Bateau-mouches, tendo em si uma quantidade razoável de pessoas, provavelmente turistas. A vida em Paris é intensa, aliciante e com laivos de encanto esotérico.

O Calabash pede descanso. Um novo cerimonial começa, enquanto admiro a gigante frondosa que repousa atrás dos vidros baços das janelas. Confirmo a frieza do objeto, retiro, lenta e progressivamente, toda a cinza do fornilho, procuro resíduos na boquilha, tento ser a minúcia encarnada em homem, cuido, para usar em outra manhã inspiradora, sinto a minha arte a latejar nas veias, a vontade de atirar letras a um papel, alvo e virtual, nunca arisco.

O Calabash terá repouso, viro o bocal para baixo, pouso-o. Vai adormecer em si. Como um herói em retorno de uma batalha vencida. Só voltará a subir em seu cavalo e a desembainhar a espada dentro de duas semanas. Só seguirá o seu destino quando estiver curado das feridas desta última peleja.

Em subsequente dia devo servir-me de outro Kixima, não este Calabash e, quando isso se der, seguirei o culto, feito moda de princípio de outono, com o blend maduro e os meus olhos a absorverem o amarelo das folhas que caem. Pode até ser em uma das margens do sumptuoso. Que é belo e transpira vida. Que é meu, pois em meu olhar se aventura.

A minha solidão abençoada termina quando a casa é invadida pelos rebentos que a enfloram. Natália, a nossa visita querida, lança-me um olhar cheio de cuidados profissionais e, sem titubeio, pergunta-me pelo artigo que lhe devo. Surpreendendo-a afirmo http://img2.blogblog.com/img/icon18_edit_allbkg.gifque acabei de o escrever. Ela ri. Escuta-o atentamente. Depois coloca em dúvida se um cachimbo pode ser um ornamento da moda cotidiana, e se poderei abordar esse tema em seu blogue. E eu respondo que, se não é estamos com razoáveis problemas, pois devemos desclassificar também os brincos, as meias, e mais alguns panitos… Está aí uma bela ideia: eliminemos tudo. Voltemos às cavernas. A folha de parreira é a moda!

Que venha daí Johann Sebastian Bach. O resto são manias! Fugazes como a vida.

Rui Calisto

sábado, 7 de setembro de 2013

Moda Conde Barão



 
Deixem as putas em paz. Com a moda que criaram para se distinguirem.
 
Acho completamente errado que jovens muito jovens, ou versões das jovens mas com mais anos civis, andem a copiar modas. Assim não contribuímos como género. Nem nos tornamos sinónimo de modernização através destas escolhas.
 
Chamem-me obtusa e invejosa que eu nem quero saber. Chamem-me desinformada e com preconceitos que eu abano o rabo e sigo o meu caminho. Mas opinativa ou julgadora, isso nunca deixarei de ser. Daquelas sem políticas corretas.
 
Há por aí cantoras, do atual regime musical da coxa à mostra, que decidiram que quanto mais mostrarem de pele, mais discos vendem. Não interessa a voz. E juro, palavra d´honra, algumas até sabem cantar. Mas mostrar curvas é que tem a ver com a evolução da música. Algumas cantoras nasceram apenas com capacidade para miar e ninguém lhes diz. Mas o objetivo é mostrar muita pele para que o processo da fotossíntese seja mais fácil de realizar… a venda de discos. Digo eu quando tento perceber as razões do roubo de estilo.
 
Aqui começo a fazer um paralelismo, entre este mundo e o mundo da moda. A vulgaridade versus chamada de atenção e/ou talentos. As invejosas, quanto a mim, são as miúdas “tipo” jovens, e as mulheres “tipo” menos jovens (são elas a falar) a copiarem estas cantoras, talentosas ou não, que por inveja, isso sim, foram buscar a moda ao Conde Barão. Lembro-me desde sempre que esta rua, sempre foi o nicho tendencialmente usado para o trabalho desenvolvido pelas putas. Com uma moda vulgar por definição. Com a finalidade de vender o que elas pensam ser um produto. Profissão que honra apenas os homens, mas isso é assunto para outros escritos. Naturalmente que nessa rua nasceram várias tendências de moda. Como em Inglaterra nasceu a tendência do uso das sandálias com meias, naquela rua e nas suas congéneres pelo mundo, nasceu a moda da mini-mini-saia, vulgo cinto largo, e o stilleto. Bem alto, de preferência.
 
Hoje adotadas pelas mulheres de linguagem moderna.
 
Está mal. Errado até ao âmago da coisa. Como diz uma minha amiga” andam a pôr pouco tabaco”. Deve ser a inveja a falar, de uma primitiva que só gosta de chinelas e com dificuldades de equilíbrio em cima desses saltos.
 
Nunca vi necessidade, sem falsos moralismos, de vender a imagem, através do uso de cintos largos e saltos. Algumas ainda pioram mais o visual, juntando-lhe meias arrendadas…
 
Andou a Betty Friedan a queimar o soutien, para que as mulheres votassem, tivessem liberdade a vestir, a ser quem quisessem ser, a ter igualdade de oportunidades no trabalho e na vida social em nome dos direitos humanos e agora isto…
 
Mas em democracia, aceita-se tudo, até a minha opinião sobre este estilus horribilis. Mas uma mente brilhante pensa isso sim, em proibir o piropo… Não partam os dentes do trolha que pirosamente piropa as damas da Conde Barão. Ou as outras. Por indistinguíveis.
 
Hei-de dar cabo da cabeça da minha neta, para que ela seja quem quiser ser, sem precisar usar minis com saltos altos. Vulgar e não sexy. Como elas pensam que são. Por ser uma moda aterrorizadora. E pertença de um grupo específico.
 
Tenho sentido do ridículo na “moda” e acho (do verbo achar que está mal) que as putas devem ter algo que as distinga, também por isto, não concordo com este roubo indecente de moda.
 
Meninas e mulheres libertem-se de facto, resolvam a vossa autoestima, por vocês mesmas, inventem formas belas de chamar a atenção e, deixem a moda das putas em paz e sossego.
 
 
Anabela Ferreira

sábado, 10 de agosto de 2013

Elegância no Quartier Latin



Nesta manhã deliciosamente quente, Natália, a doce e elegante advogada e estilista, proprietária deste blogue de moda, toca à campainha do amplo apartamento, encravado no Quartier Latin, em Paris. É um alvoroço. Todos se manifestam loucamente e, entre beijos e abraços, anunciam as saudades, reciprocamente atiradas ao ar abafado que se faz sentir.
 
O rio Sena, testemunha muitas vezes secular, observa à distância, o movimento que as figuras apresentam entre janelas imensas.

Os artistas e estudantes nas imediações não esticam pescoços, permanecendo cegos das cenas que se reproduzem ali. Se o fizessem veriam uma mulher deslumbrante a flanar levemente por toda a sala, pousando de janela em janela, analisando do alto de suas belas pernas toda a vida deste bairro boémio e sonhador.

Quando os seus olhos azul-céu vislumbram a Sorbonne, a vetusta Universidade fundada no século XII, algumas lágrimas caem, cada uma mergulha numa profundidade medieval, banhada em latim puro e meigo, somente compreendido pelos cândidos de alma.

Natália está exausta da viagem, mas não quer descansar. Vai refrescar-se rapidamente em tépidas águas e, como uma visão do céu, retorna, desta feita com ganas de passeio e de banho de loja. A primeira parte interessa-me, a segunda nem tanto… mas, como bom cicerone, acompanho-a em rocambolescos desfiles pelo bairro.

A multidão olha de soslaio. Natália causa furor por onde passa. Veste uma delicada túnica branca, deixando claramente à mostra todas as curvas que a natureza lhe ofereceu. Usa tênis confortáveis, também brancos, óculos escuros, chapéu de abas largas e alvamente belo. Lábios pintados com um vermelho suave e tentador, unhas bem tratadas, de verniz novo e encarnado. É a mulher que Michelangelo, Bouguereau ou Da Vinci gostariam de ter retratado. É a mulher que deslumbra, que desfila elegância e beleza na Paris do século XXI.

Uma sacerdotisa, que caminha levemente por entre olhares febricitantes, celebrando, por onde passa, todos os ofícios divinos que a Humanidade, rojada a seus pés, necessita, para viver em comunhão com o Alto.

A sua moda é descontraída e natural, a sua silhueta é cobiçada, o seu olhar provocador atiça ao mais distraído dos passantes, e são muitos, dezenas de turistas e de estudantes, sôfregos por saberem quem poderá ser aquela escultura.

Graças à leveza dos trajes o calor não a incomoda, a mim muito menos, que estou acostumado a momentos abrasados, fazendo com que seja um prazer a longa caminhada.

O vestuário da juventude à nossa volta é, também, descontraído, já os que estão em idade adulta envergam mais sobriedade. As palavras que se entrechocam são dialetos do mundo. Ninhos de nações rodopiam a cada metro percorrido. O furor por Paris é sabor e paladar por todo o planeta, todos os seres culturalmente esclarecidos merecem esta Cidade, e a desejam!

Aquelas pernas ágeis e magras optam por calcorrear todos os quadrantes do Bairro Latino: os recantos mais pitorescos e os monumentos grandiosos são analisados de forma meticulosa: na Igreja Saint-Étienne-du-Mont admiramos a padroeira de Paris, Santa Genoveva, e as tumbas de Jean Racine e Blaise Pascal; no Panteão viajamos pelos sessenta e sete túmulos, por onde nos passam nomes imensos, entre eles: Alexandre Dumas (pai), André Malraux, Diderot, Zola, Fénelon, Rousseau, Marie Curie, Descartes, Voltaire, Victor Hugo; na Igreja de São Julião, o Pobre, deslumbramo-nos com a sua traça, singelamente fascinante, e temos o prazer de beber um magistral concerto, parte do Festival Liszt Chopin.

Sem esboçar cansaço, avançamos para a gótica Catedral de Notre-Dame. Natália está comovida outra vez. Aquele esplendor arquitetónico possui uma história forte e enraizada no início do século XI, e é fruto de um burguesismo endinheirado e de imensa intervenção do clero urbano. Natália cora.

Avançamos, agarro-a pela mão, conduzo-a com uma certeza na mente: a próxima parada vai deixá-la deliciada. Em poucos minutos colocamo-nos diante da Livraria Shakespeare and Company. Distante do circuito tradicional de turismo, este monumento anglo saxônico foi fundado no ano de 1951, pelo americano Georges Whitman, no edifício de um antigo Monastério, datado do século XVI, em frente à Catedral de Notre-Dame. Natália estanca à entrada. A confusão generalizada a assusta. Não imaginava que aquele local pudesse ser tão desordenado como é, com as estantes abarrotadas, livros, revistas e jornais amontoados, muitos clássicos franceses e ingleses de cabeça para baixo, muito pó, muitos ácaros pelo ar, foi a frase dita, porém, que não a impediu de entrar e ingerir o mesmo feitiço que seduziu inúmeros escritores, de todo o mundo, que frequentaram aquele local.

Pouco depois, Natália segura o meu braço com força, estamos diante da Arena de Lutécia, construída no século I, e que é um raro vestígio da Roma Antiga que ainda se pode admirar na Paris atual. Esse local foi utilizado como teatro e, infelizmente, como arena de combate entre gladiadores, e entre homens e animais. A nossa viagem intemporal permitiu-lhe um devaneio: a criação de túnicas com motivos relacionados com as cenas que deveriam ter ali ocorrido.

Eis que se apresenta, então, a estilista, a apaixonada por moda. O momento propício para caminhar em direção a casa. O entardecer faz-nos cócegas na barriga, a vontade de um quitute é grande, alguns crepes, com uma qualquer bebida exótica, ao som de uma boa banda, ou de algum cântico que nos preencha a alma. Pusemo-nos em movimento, comandados por vontades frugais, porém, indispensáveis à permanência da vida.

Esta jovem advogada, conhecedora profunda da moda do mundo, desfilou, hoje, sua leveza, sua alegria, sua beleza e seu talento, pelas ruas de Quartier Latin, como se fosse a verdadeira Cinderela. E ali, a minha teoria esteve sempre em destaque: quando uma mulher é deslumbrante de corpo, profunda de espírito cultural e inteligente, basta trajar o básico, pois nenhuma roupa de marca substituirá toda a luz que de si transborda.

Durante a estada de Natália em Paris, com certeza, muitas discussões saudáveis surgirão. Ela, em defesa da moda, eu, anti moda assumido, a tentar oferecer-lhe fantasmas, invocando Hemingway, Hugo, Rabelais, Verlaine, Molière, Diderot, Voltaire.

E, um dia, assim como eu, ela poderá sentir a Cidade Luz no coração, amando-a como se de uma mulher se tratasse. E parafraseando Victor Hugo, poderá dizer:

“… A função de Paris é dispensar ideias. Sacudir sobre o mundo um inesgotável punhado de verdades (…) Há pensamentos que são orações. Há momentos nos quais, seja qual for a posição do corpo, a alma está de joelhos (…) O que completa e coroa Paris é o literário. A luz da razão é necessariamente a luz da arte. Paris ilumina em dois sentidos: por um lado, a vida real, por outro a vida ideal. Por que esta cidade vive imersa no belo? Por que está imersa no verdadeiro.”
 
Rui Calisto

domingo, 21 de julho de 2013

Sobre as peúgas brancas



Gostos não se discutem…educam-se: rótulos e ditaduras das tendências

Ouvi dizer que a educação também se faz acontecer no que diz respeito a gostos. Concordo!

Se pensar que o indivíduo é influenciado pelo meio ambiente familiar e social que o rodeia e, que o papel da educação é o de trazer à luz criadores e não repetidores, bem como, formar mentes capazes de criticar e experimentar, ao invés de aceitarem o que já foi inventado, tenho a resposta à afirmação contida no título que escolhi para falar sobre moda.

Que me faz chegar à moda da peúga branca, parte integrante de qualquer pé nos anos 80.

Só de mencionar o facto fico com medo e alguns calafrios. Se acrescentarmos as raquetes uma por cima da outra em cruz, entro em pânico. Afinal também sou influenciada pela moda como qualquer mortal.

Eu, e qualquer pessoa que um dia as usou, agradecemos que um dia, um espirito criativo e crítico tenha “inventado” a tendência de fugir a esta aberração. E que tenha tido o bom senso de educar os gostos.

Tal como na música podemos educar os ouvidos, ou a alma para a literatura, assim como o pensamento para o intelecto, como por sorte eu fui educada por grandes professores, na moda podemos educar a sensibilidade, o bom senso e o olhar delicado.

E quem é que os educa? E quem determina se temos ou não educação nos gostos?

São as influências do meio que nos rodeia, familiar, de amigos, da escola, que nos molda e transforma.

Mas também quem nós trazemos nos genes e que nos faz seres pensantes, críticos, inovadores ou seguidores. De gosto sensível, ou não. Mas ser em aprendizagem, sempre.

Por isso também, não gosto destas 3 palavras quando se fala de moda: fora-de-moda. Um contrassenso, ou melhor uma contradição.

Quem é que determina o que está in ou out?

As tendências… o meio social: a publicidade, o marketing, as revistas e os senhores que criam as roupas determinam as chamadas tendências.

Tendencialmente vivemos num mundo de tendências. Algumas que vivem e morrem, na moda, à velocidade de um cometa. De uma estação para outra. Mesmo que o clima hoje, não defina mais as estações.

Talvez acompanhadas por decretos saídos de um “brainstorming” que quando é muitas vezes repetido se torna verdade!

E aceite. Mas nem todos vêm o mesmo que todos. Felizmente.

Por outro lado, felizmente alguém de gosto sensível determinou que a tendência da peúga branca devia morrer.

E obteve consenso da larga maioria, tirando o reduto de alguns emplastros irredutíveis nas suas aldeias onde ideias inovadoras não entram. A não ser os feirantes do costume, com a mercadoria de refugo que não se vende em mais nenhum armazém.

No mundo global, são números residuais.

Apesar de desprezadas também nos fardos/calamidades em África, ainda há quem as combine com calças de cetim cinzento e um sapato de verniz preto.

Como eu vi e precisei de ficar em posição de lótus, contar lentamente até 50, quase até levitar, para não cair abruptamente da cadeira.

Ou ceder à inquieta tentação de fazer alguma pedagogia sobre o gosto e tentar educá-lo.

Elas andam aí e é preciso cuidar para que um dia sejam extintas como o Tiranossauro Rex, permitindo apenas às sobreviventes, aparecimentos fugazes nas noites caseiras de inverno profundo, debaixo das mantas, para não serem vistas por olhos sensíveis.

Sem qualquer tendência tirana sobre a moda, claro…

A pensar apenas na educação dos gostos…
 
Anabela Ferreira

sábado, 15 de junho de 2013

Traços imprecisos


Esta manhã tive uma conversa séria e objetiva com um par de calças. Fui obrigado a dizer-lhe uns quantos impropérios, coisas que nem ouso escrever aqui, pois não sei a idade das pessoas que poderão ler estes rabiscos.

Confesso que não foi um diálogo nada fácil. Comecei por apontar-lhe alguns defeitos, como o de rasgar, além da conta, nos joelhos, depois da última ida à máquina de lavar. Sobre isso, ouvi uma resposta seca, do tipo “já me compraste rasgada”. E eu, sem titubear, fui obrigado a dizer-lhe que se não fosse o raio da moda que me obrigaram a meter goela abaixo, com certeza, não as compraria. Fui, imediatamente, chamado de volúvel, e de ser facilmente manipulável. Fiquei irado. Não bastava uma voz feminina a encher-me a cabeça, todos os dias, com o raio da moda, agora tenho que aturar, também, um par de calças insolente.

Quando alguém começa a irritar-me, dificilmente consigo olhar com bons olhos a nossa convivência, aliás, raramente o dia-a-dia volta a ser de equilíbrio, sensatez e com aquela política doméstica de boa vizinhança, que deve manter a ordem na casa. A vontade passa a ser uma só: a de aviar-lhe as malas e dizer-lhe que vá procurar pouso em outro lugar, neste caso seria: procurar cabide em outro armário.

Olhei profundamente para a sua cor azul desbotada, preparando-me para um ultimato feroz e definitivo, porém… veio à minha memória uma série de aventuras que vivemos juntos, umas belas taças de bom tinto com algumas amigas, um e outro encontro fortuito onde não fui o único a sair com um ar de felicidade no rosto (lembro-me bem daquele fecho éclair, com todos os dentinhos metálicos arreganhados de felicidade, por ter encontrado um zíper perfeito, e juntos, enrolados, num sofá, curtindo uma madrugada de abertura e fecho completamente louca).

Com a passagem dos minutos confesso que comecei a olhar para aquele par de calças com um saudosismo quase patético. Como podia então dizer-lhe tudo o que vinha em catadupa? Não consegui. Os momentos bons foram muito superiores a qualquer desavença que possa ter existido. Decidi por uma trégua. Acariciei-lhe as costuras e pendurei-a com todo o carinho no melhor cabide que encontrei, percebendo discretamente um suspiro de alívio e de agradecimento…

Se existe uma culpada, pelos rasgos aumentados naquelas calças, sem dúvida, só pode ser a máquina de lavar roupa, com aqueles movimentos sem emoção… Hummm… Vou até ali, para ter uma conversinha de pé de orelha com aquela maquineta…
Rui Calisto

sexta-feira, 24 de maio de 2013

Pobre do verde abacate



Julgo que é cíclico: hoje na moda… amanhã ultrapassado!
Hoje, ser fashion é usar o vermelho morango e o azul uva, amanhã os lilases maracujás e os azuis marinhos do mar de Zanzibar. E quando é que chega a vez do verde abacate tão desprezado?
Nunca entenderei esta coisa das escolhas dos tons para a época primavera-verão ou outono-inverno. Talvez porque seja perversa e anti-apartheid.
Sou democrata e boa cristã sem religações de qualquer tipo: não faço descriminação às cores.
Uso todas as do arco-íris e derivadas, quando me apetece. Porque merecem e pronto! Porque as gosto e desconsigo pensar que o amarelo-papaia não está na lista das cores dos pensadores e fazedores de modas para uma época qualquer.
Impensável seguir modas, a não ser a minha. A que não me faz perder tempo com prisões. De tempo e escolhas.
Lembro-me de que, quando cheguei à Europa vinda de África, habituada a ter o pé junto da terra, fui apanhada pelo inverno. Calcorreei todas as sapatarias de Lisboa e arredores à procura de botas de inverno. Só usava botas confortáveis onde os pés se continuassem a sentir libertos de opressões. Só recebia como resposta: esses botins foram descontinuados…agora só há botas de biqueira e saltos finos. E agora, o que fazer perguntavam os meus dedos delicados? Nem uso, usei ou usarei, saltos mais altos que sabrinas e de biqueira larga…
Fui obrigada a aceitar a política da maioria, o que me deixou sem margem de manobra para contestar. Só em lojas de 2ªmão, diziam-me. Pouco usuais em Portugal.
Foi finalmente em terras romanas, numa feira, que consegui umas botas que duram até hoje, para quando estou em terras onde o inverno me obriga a não deixar os pés respirar. Mas pelo menos estou confortável.
Na minha longínqua infância tinha roupas próprias para vestir aos dias de semana diferentes das domingueiras. Estas últimas envolviam sempre uns vestidos com rendas a preto e branco. Sentia-me sempre uma dama-antiga da classe pobre dos livros da Jane Austen.
Talvez por isso, a partir da adolescência, até aos dias de hoje, opte por usar todas as cores, estampadas em saias compridas, que quando saem de moda, criam-me os mesmos problemas para encontrar, como as botas curtas, de salto baixo.
Talvez, eu seja um caso de estudo para a psicologia, mas só uso o que a minha moda me determinar e de acordo com uma regra: o meu bendito conforto.
De volta a África tenho 2 amigos: o sol e o mar: todas as cores de capulanas para saias e vestidos compridos e chinelos, condizem com as suas cores.
Anabela Ferreira